segunda-feira, 15 de fevereiro de 2010

Conheça a irreverente arte de Shiko




Shiko é paraibano assim como esse que vós escreve, o seu trabalho é de encher os olhos, seu estilo "marginal" contrasta com a sofisticação e sutileza de suas aquarelas,
abaixo vocês conhecerão um pouco mais a figura e a obra desse grande artista.


Paulo Victor

Você não pode escapar do SHIKO

"As vacas ainda não passaram por aqui hj. Elas passam todo dia a essa hora." Era fim de tarde no apartamento no bairro do Bessa de Francisco Leite, 30, mais conhecido como Shiko. "Quer um café? Isso aqui tá uma bagunça, ando meio sem tempo e o cara que ficou de fazer a limpeza não apareceu!". Shiko, como o próprio apelido remete é um cara assim, simples, direto, preguiçoso, segundo ele mesmo, gosta muito de se divertir e tem um talento que impressiona pela despretensão e que parece evoluir a cada dia.


HE-MAN

Ele não lembra de uma fase na vida dele em que não gostasse de desenhar, mas a primeira vez em que achou que um desenho tinha ficado realmente bom foi um he-man, ainda na infância. "Se achando" levou pro colégio pra mostrar aos amigos. Ainda em Patos ele começou a desenhar com um grupo de amigos. "Eram uns cinco ou seis dos quais eu era o pior. Hoje eles viraram burocratas, farmacêuticos,... só o Alano virou tatuador. Mas ele é doido mesmo, de remédio", diz isso e advinha? Ri.


Patos

Ele é natural da cidade Patos, localizada no sertão do Estado da Paraíba, conhecida pelo clima muito quente. Quinto filho de uma total de seis, ele conta que saiu de Patos quando o grupo de teatro do qual fazia parte ganhou um festival e entre os prêmios estavam passagens para João Pessoa. Na época, ele trabalhava para uma serigrafia, fazendo ilustração e artes. "Sempre fui o doido da família. Descobri que a minha não era estudar desde muito cedo. Pra você ter uma idéia, eu terminei o segundo grau junto com meu irmão caçula", ele ri. "Antes disso eu havia saído de casa pra tentar algo em Brasília. Fiquei na casa dos meus tios que moram lá. Mas, aquela coisa, meu tio é funcionário público e eu voltava da escola com os cabeludos, tatuados e gostava muito de sair pra farra. Ele me dizia: não pode ser assim, meu filho!", ele ri mais uma vez."Nessa época eu cheguei a fazer um trampo prum cara ilustrando dois livros, que até onde eu sei, nunca foram publicados. Não é preciso dizer que por essas e outras voltei pra Patos até a saída definitiva para João Pessoa".Em João Pessoa ele ficou uns dias na casa de uma irmã. Não demorou muito tempo por lá, logo conheceu Larissa, uma namorada com quem foi morar na casa que logo depois seria batizada de Rock House. Lá ele aprendeu o sentido de coletividade. A Rock House virou ponto de encontro de desencanados. "Na Rock House eu conheci Bill", um futuro parceiro de criação. "Larissa foi ao Festival de Areia e conheceu uma galera. Um desses caras era Bill, que três meses depois estava morando lá na casa". Iniciou-se aí uma parceria de alguém que gostava de escrever com alguém que gostava de desenhar."Não que o meu texto seja execrável, mas Bill faz o que quer com a palavra, põe pra cá, tira dali e consegue associar um monte de idéias. Ele tem o dom e nosso universo se afina muito". Essa parceria viria a vingar e daria um bom fruto do qual falaremos mais tarde.

SHIKO

De onde vem o nome Shiko com "S" e "k"? "Sempre gostei de ler Quadrinhos, meu preferido era o CONAN, ele era ladrão, biriteiro, andava com as putas e matava mesmo, torava no meio", gargalha. "Um dia estava lendo um mangá clássico de samurai e, durante um combate, um deles saca a espada e com um golpe violento corta o pescoço do seu adversário e fala: ninguém escapa do meu shiko. Lá em baixo tinha uma nota do autor explicando que shiko é o termo que define o alcance da lâmina do samurai. Eu pensei, é isso! Depois descobri que alguns artistas japoneses também utilizam esse nome, mas nenhum deles se chama Francisco", desnecessário dizer que ele riu.



Artes Plásticas

Foi no Colégio Estadual Liceu Paraibano que ele teve o primeiro contato com pincéis e telas. "Um professor de artes reservou uma sala para ensinar os alunos que se interessassem. Como o material era cedido gratuitamente pela Secretaria de Educação a gente recebia tinta lavável pra pintar. Aquela de pintar parede", ele ri. "Acho que essa é uma das grandes diferenças do meu trabalho com telas, eu estou muito mais para artistas de rua, marginal, que para aquela linguagem de escola de pintura. Outro ponto importante é que ao contrário da maioria dos artistas plásticos não tenho essa pretensão de criar linguagem nenhuma, criar conceitos, não! Me interessa muito mais como uma tinta funciona em determinado tipo de material, seja ele papel, tecido ou parede. Gosto daqueles artistas que pintam putas telas em muros de terrenos baldios que não podem ser vendidos. A pintura vai ter efeito nas pessoas que passarem ali e enquanto ela resistir ao tempo. Ela tem um fim, cumpriu sua função. Até porque esses espaços públicos de rua só são permitidos para publicidade e pra política. Gosto da idéia de chegar lá e se instalar, e isso é crime!", ele ri mais uma vez.



Técnica

A primeira vez que vi algo desenhado por Shiko foi na Rock House em algum momento em 2002 ou 2003 numa das famosas festas no local, que o vizinho do lado odiava porque virava noites. Larissa, então namorada de Shiko, estava com um número do Marginal Zine. Fiquei impressionado com o estilo de Shiko e perguntei de onde era o zine. "De Shiko, meu namorado, ele é de Patos". Fiquei tão impressionado que quis comprar na hora. Ela me disse que não podia só tinha aquele exemplar. "Ele faz poucos". Quis saber se ela tinha os outros números. "Acho que não, ele faz poucos". Disse a ela que precisavam fazer mais, o material era muito bom. Tempos depois voltamos a nos encontrar, por sugestão de amigos ele desenhou o story board de um clipe de uma banda que tocava. O clipe daquela música não saiu, mas o story board tinha o traço dele despretensioso mas com uma aura impressionante de um universo que tem como característica suas principais referências visuais, musicais e literárias. "O desenho não evolui sozinho! Enquanto a técnica só melhora com a prática, o referencial para o traço melhora à medida que melhora o que você lê, a música que você ouve, os filmes que você vê". Sábias palavras.




Prêmios

Nunca soube bem como andava a carreira dele, acho até que ele nem pensa muito nela, com diretrizes e objetivos a realizar, mas soube um dia que foi homenageado com um prêmio "hours Concours", numa mostra de artes no FENART, um dos maiores festivais do Estado. "Achei muito engraçada essa história. Sempre me inscrevi para o Salão Municipal de Artes e nunca havia sido selecionado. De repente, eu me inscrevo para a mostrado FENART e ganho logo o prêmio maior, aquele dado ao cara que está acima do nível dos outros participantes. Não entendi nada e pra finalizar acabaram roubando meu trabalho da mostra. Acho que me deram o prêmio como pagamento", gargalha. "Não fui atrás, é um festival muito popular organizado por pessoas que conheço, onde circunda muita gente. E por outro lado que bom que tem alguém que quis correr esse risco para ter um quadro meu", desta vez ele não ri. "Ah, ganhei também dois prêmios numa mostra internacional".




Blue Note

O projeto do Blue Note, o livro que ele lançou com mais de cem páginas todo em linguagem de quadrinhos, nasceu ainda na Rock House. "Eu dei uma idéia a Bill pra ele escrever um texto. Bill é daqueles caras que tem a manha das citações, é uma cara que escreve todo dia. Um dia ele me entregou uns textos. Comecei a desenhar aquilo e um tempo depois a gente foi assisitir a "Quero ser John Malkovic". Putz, tinha muita coisa que de uma maneira ou de outra estava relacionada aquele roteiro. Rasgamos tudo e resolvemos começar do zero. "Nessa fase Bill acabou seu namoro com Cris e resolveu voltar para Rio Tinto, sua cidade natal. Ficou um tempo lá, isolado, e um dia ele me entregou 20 páginas de textos totalmente desconexos, que ele escreveu nesse período em que passou recluso em Rio Tinto. Dei uma arrumada naquilo e comecei a desenhar. Retornei pra ele ver como tinha ficado e ele alterou tudo de novo... O resultado é que agora temos uma história totalmente invertida, onde muitas vezes pode-se achar que as coisas não fazem sentido", ri."A história do Blue Note, como tudo o que desenho e pinto, tem muito da minha hstória pessoal, muito das minhas referências de filmes, música e livros que leio. O Narrador da história é uma espécie de alter ego de Bill. A imagem dele mesmo está no personagem do barman. A história está cheia de personagens que vivem histórias pessoais que se interligam no bar que frenqüentam. Uma das coisas engraçadas nesse projeto é que quando falei com Bill sobre colocar o projeto do livro pra ser impresso com apoio de uma lei estadual de incentivo a cultura, ele resistiu. Disse que não concordava com apoio de verba pública pra tocar um projeto pessoal. Depois expliquei pra ele que dentro do projeto não visávamos especificamente grana e sim ver esse projeto finalizado com uma boa qualidade. Ele acabou engolindo", acende um cigarro.




RG

Uma das maiores lendas sobre Shiko é que ele não tinha nem RG há bem pouco tempo. "Quando vim morar aqui eu já estava sem RG porque tinha perdido em Patos e não tinha tirado novamente. Em João Pessoa, resolvi tirar e perdi de novo. Esqueci, deixei pra lá, passei muito tempo sem RG , sem CPF e o serviço militar nunca viu minha cara".





"E aquele café, vai querer?".





Fonte: http://www.overmundo.com.br




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